Entrada da Academia

Dei o dinheiro necessário ao taxista e saí, ajeitando a mochila ao ombro, olhando para a Academia à minha frente. Era melhor do que a cela, disso eu tinha a certeza, mas saber que era apenas uma mera empregada no meio de tantos dançarinos, enraivecia-me, mesmo muito. Premi os lábios um no outro e coloquei uma mecha de cabelo solto atrás da orelha. Tudo por causa dela, tudo por causa dela. Fechei as mãos em punho e tentei afastar tudo da minha mente, preparando-me para entrar.

-Anda - disse baixinho mandando-o ir à frente e fui para trás de um carro.
-Como é que vamos voltar a entrar? - perguntou-me Max. - Não sei, tu consegues anda lá. - empurrei-o.

Estava prestes a entrar quando ouvi uns burburinhos por perto. Levantei uma sobrancelha e dei uns passos para trás, vendo uma sombra atrás de um carro. Passei as mãos pela cara, respirando fundo e quando olhei para lá, vi um rapaz escondido com um menino mais pequeno.
- Precisam de alguma coisa? - baixei a sobrancelha e cruzei os braços ao peito enquanto os olhava. Vai na volta e estavam fugidos de algum manicómio. Estremeci quando me lembrei da rapariga da cela em frente da minha, mas mordi a parte de dentro da minha bochecha com força para me manter desperta.

Levantei o olhar para uma rapariga que estava a entrar e endireitei-me puxando Max para mim e colocando-o atrás de mim.
-Não, estamos a ir embora - disse virando costas. Pousei as mãos nos seus ombros e comecei a fazê-lo andar.

Juntei as sobrancelhas numa espécie de careta e continuei a olhá-los de braços cruzados mesmo quando o mais velho virou costas, obrigando o mais pequeno a andar.
- Não me digas que saíram da academia sem autorização e agora estão com medo de entrar.- revirei os olhos.- aconselho-te a seres mais discreto para a próxima.- continuei com a mesma expressão e dei meia volta.

Parei quando a ouvi e Max olhou-me esperançoso, mas eu ignorei, apenas me virei para ela de dentes cerrados.
-Eu sou discreto - disse-lhe, mas ele pôs-se à minha frente e fui ter com ela.
-Sim, ele vai ralhar connosco quando entrarmos.

Olhei o seu maxilar contraído e encolhi os ombros de novo.
- Sim, notou-se.- murmurei e desci o olhar para o rapazinho, que tinha vindo ter comigo.- eu posso ajuda-vos se quiserem.- desde que não me chateassem muito. Voltei a encolher os ombros.

Forcei-me a respirar fundo para não armar um escândalo e fui ter com Max agarrando-lhe no braço para que viesse de novo ter comigo.
-Não precisamos de ajuda.

Se havia uma coisa que a prisão nos ensinava, era a não sentirmos. Quantos menos sentimentos tiveres enquanto lá estás, mais fácil é de sobreviveres. Se ele não queria ajuda, quem era eu para insistir.
- Boa sorte então.- coloquei o cabelo para trás e comecei a andar para a entrada.

Encolhi os ombros nada preocupado e senti Max escapar-me das mãos.
-Não - disse ele dirigindo-se a ela e eu voltei a puxa-la.
-Não precisamos de ajuda Max, anda - puxei-o para trás.
-Mas eu tenho fome - disse olhando-me.

Estava prestes a por um pé do outro lado do portão quando ouvi um ''mas eu tenho fome''. Engoli em seco. Eu sabia o que aquilo era. Era das piores sensações de sempre. Lembro-me de nos primeiros meses, pouca era a comida a que tínhamos direito. As dores de barriga eram insuportáveis. Passei uma mão pela cara, com um suspiro frustrado e virei-me de novo para eles, voltando a aproximar-me.
- Eu distraio o segurança e vocês aproveitam para entrar.- murmurei e olhei o mais velho.- podes tu não precisar, mas ele precisa de comer.- apontei para o mais pequenino.- por isso vê se fazes alguma coisinha.

Virei bruscamente a cara para ela e depois para Max que me agarrava na camisola com força. Passei a mão pelo sua cabeça e afastei-me do puto.
-Tens dez minutos - disse deixando-o ir com ela, porque eu não ia, de certeza.

Fiz um trejeito com a boca e agarrei na mão do miúdo, olhando para o outro.
- Tu não vais entrar? - fiz uma careta confusa.- é suposto ele voltar a sair depois? - inclinei ligeiramente a cabeça.

Voltei a olhar para a gaja que já me estava a irritar.
-Estás a ver-me com cara de quem vai entrar? - perguntei -Ele sabe o que fazer - disse indo sentar-me na outra esquina da academia.

Levantei uma sobrancelha pela forma como me falou e revirei-lhe os olhos.
- Primeiro vê lá como me falas, não me conheces de lado nenhum nem sabes do que sou capaz.- disse secamente.- e segundo, tenho pena do teu irmão ou seja lá o que for.- disse e virei-lhe costas, começando a dirigir-me para a entrada.- quando eu te fizer sinal com a mão tu entras, pode ser? - olhei o miúdo e assim que assentiu, entrei.

Fiquei a ranger os dentes contando os minutos pelo relógio que havia na farmácia.
-Não sei o que é que ela é capaz - revirei os olhos - sou capaz de muito pior - resmunguei cruzando os braços com força contra o meu peito. Passei as mãos pela cabeça e comecei a bater o pé no chão.

Debrucei-me sobre a janela da pequena portaria de modo a tapar a visão ao porteiro e vi-o levantar-me uma sobrancelha. Cortá-la era uma óptima forma de a baixar. Revirei discretamente os olhos.
- Sim? - a sua voz grossa fez-se ouvir. Mostrei um bocado os dentes, como costumava ver as outras pessoas fazer, mas pela careta que o homem fez, percebi que devia estar com um aspecto um pouco alienesco. Tossiquei e voltei a colocar a minha cara de sempre.
- Eu queria saber onde é que me posso apresentar, sou a nova empregada.- disse e ele assentiu, começando a vasculhar nos papéis. Aproveitei essa sua distracção e meti a cabeça de fora da janela, olhando o miúdo.- agora.- mimei com os lábios, fazendo-lhe sinal.

Encolhi-me quando senti a minha barriga doer e baixei a cabeça olhando para os meus punhos cerrados. Não ia ralhar com ele quando chegássemos, ele não comia desde ontem e já devia estar a ficar com fome. Eu.. eu costumava dar-lhe o comer que consegui apanhar, pelo que já não comia à dois dias, mas eu bebia muita água e isso sustentava-me.. Mas apesar de tudo se ele o fizesse novamente eu ia ralhar-me e muito para ver se ele aprendia a não ouvir o que os outros diziam quando supostamente queria ajudar. Ele era muito pequeno, tinha apenas cinco anos, mas no início, eu tinha sido muito tramado por aceitar a ajuda de estranhos.

- Ei? - estremeci quando o ouvi chamar-me e voltei a enfiar a cabeça na janela, olhando-o.- o que é que se passa lá fora? - ele tentou espreitar, gesto ao qual arregalei os olhos, abrindo os braços para tapar tudo.
- Nada, não se passa nada, eu estava só a ver o céu.- encolhi os ombros.- está azulinho não está? - voltei a fazer aquilo com os dentes. Ele fez a mesma careta de à pouco.
- Está, está.- disse com os olhos arregalados.- mas não faça isso de novo.- revirei os olhos e voltei a fechar a boca. Estava decidido, não ia tentar mais.
- Bom, vai dizer-me para onde tenho de ir ou não? - disse já num resmungo. Não que precisasse da sua ajuda, eu conhecia esta academia de uma ponta à outra, mas enfim, eu tinha dito que ajudava amigo ou irmão do outro. Fui olhando pelo canto do olho para a porta enquanto o segurança falava e passados uns minutos o miúdo apareceu a correr, com alguma comida escondida no casaco. Mas para onde é que ele levava aquilo tudo? Reparei que estava a sorrir, parecia orgulhoso dele próprio. Respirei fundo quando saiu e olhei o homem.
- Sabe, acho que já tenho tudo, adeus.- murmurei e saí dali.

Passei a mão pelo meu estômago e depois pelo meu peito respirando fundo. Estava a tentar aguentar-me, esperava que ele conseguisse comida para ele, porque eu precisava de ir procurar comida para mim. Assustei-me quando ele apareceu a correr e percebi que quase tinha adormecer.
-Leo? - chamou-me Max.
-Hm? - levantei a cabeça e olhei para a comida que ele tinha trazido. Meu deus.
-Estás branco - agarrei num pedaço de bolo que ele tinha e dei uma dentada perdendo depois as forças.

Passei pelos corredores necessários e só parei quando cheguei ao pé da porta branca com uma plaquinha a dizer ''pessoal''. Bati à mesma e abri-a, espreitando cautelosamente para o interior. Ali estava ela, Lydia Stevens, a chefe dos empregados. Desviou o olhar do seu livro para mim e olhou-me por cima dos seus óculos redondos.
- A entrega das inscrições não é aqui, isto é só para os funcionários.- suspirei por pensar que era uma aluna. Não me importava nada de o ser. Abanei a cabeça e entrei, mesmo sem a sua autorização, fechando a porta atrás de mim.
- Eu sou a Bethany, a nova empregada.

Max*
Estava a acontecer de novo. Às vezes, mesmo quando ele comia acontecia-lhe isto, ele nunca me tinha dito o que era, mas acho que sabia. Suspirei sentando-me ao lado dele e senti a sua cabeça cair no meu ombro. Agarrei no pedaço de bolo que tinha caído para o seu colo e comecei a comê-lo enquanto esperava que ele acordasse.

- Podes começar pelas casas de banho.- soltei um longo suspiro e apertei a vassoura na minha mão. Ainda agora chegara e já tinha de começar a trabalhar. Assenti, como se a estivesse mesmo a ouvir e continuei a olhar para a sala de dança que ficava do outro lado.- depois acabas nas salas e por hoje, não precisas de fazer mais nada, amanhã começas a sério. - mordi a parte de dentro da minha bochecha. Uma vontade incontrolável de dançar começava a renascer dentro de mim. Eu não conseguia, era mais forte do que.- Bethany, estás a ouvir-me? - estremeci e virei de forma brusca o meu olhar para ela.
- Hum.. sim, sim, as casas de banho.- murmurei meio atordoada e saí.

Engoli em seco olhando em frente, mas ele não parecia acordar tão cedo. Dei-lhe chapadinhas na cara para ver se o fazia mas nada. Suspirei deitando-o no banco um bocado torto e fui devagarinho até à entrada da academia, ela podia ainda estar por perto.
-O que queres miúdo - assustei-me com um homem que devia ser o segurança.
-Nada - disse afastando-me e voltei para o lado dele dando-lhe a mão e ficando a olhar para um grupo de raparigas que passavam.