Grants house - LA

Coloquei o bolo no prato e limpei as minhas mãos nos paninhos todos nojentos olhando para a sua barriga com um sorriso. Era mesmo grande, já devia ir bem avançada.
-Está quase a nascer não está? - perguntei aproximando a mão devagarinho até lhe tocar com cuidado. - Como é que se vai chamar?

Pousei também o meu bolo no prato e virei-me ligeiramente na sua direcção para que fosse mais fácil. Ultimamente não deixava que me tocassem na barriga, ou pelos menos não deixava Jace tocar-me na barriga, mas agora era diferente.
- Sim.- assenti.- está quase a chegar ao fim dos oito meses.- sorri e senti a minha bebé mexer-se, quase tanto como fazia com Kyle.- Rosemary.- sorri ainda mais ao dizê-lo e arregalei ligeiramente os olhos por ela não parar quieta.- ela gostou de si.- gargalhei docemente.- não pára quieta.

Sorri quando consegui senti-la e levantei o olhar para a rapariga com um sorriso que já não tinha há uns anos.
-Parece os meus filhos - ri-me baixinho - eles também nunca paravam quietos, quando lhe tocavam - mordi o lábio quando me lembrei e levantei-me de repente, precisava de saber se ele estava bem - eu tenho que ir, tenho que ir ver uma pessoa. Desejo as maiores felicidades, e cuidado.

Sorri quando falou nos seus filhos. Nem queria imaginar o sofrimento deles ao ficarem sem pai durante sete anos, apesar de que conseguia fazer uma pequena ideia. Tinha o exemplo de Kyle. Levantei o olhar para o senhor quando se levantou de repente e juntei as sobrancelhas.
- Está bem, obrigada por este bocadinho.- sorri.- e espero que seja muito feliz agora, com a sua família.- murmurei e continuei a comer o bolo, para ir ter com Kyle depois. Não podia demorar mais.

Sorri à rapariga, que era muito simpática, podia ser minha nora, mas aposto que tinha uma tão jeitosa. Olhei para o numero que tinha apontado na mão, para não me esquecer do quarto dele e assim que vi a porta aberta fiquei apenas à porta. Ele estava a dormir, não o queria acordar.

Limpei a boca ao guardanapo quando terminei de comer e levantei-me, começando a fazer o número de volta para o quarto de Kyle. Só esperava que ele ainda não tivesse acordado, não queria que acordasse sem mim. Subi o olhar da minha barriga para o corredor e juntei as sobrancelhas ao ver o homem do bar à porta do quarto. Parei um pouco antes e verifiquei o número do quarto, sim, era o de Kyle.
- Precisa de alguma coisa? - perguntei, aproximando-me.

Respirei fundo e mordi o lábio. Não ia começar a chorar ali, ainda por cima não era a primeira vez que o via. Porque é que ele tinha ido lá? Suspirei começando a andar na direcção dela quando ouvi uma voz que me assustou. Agarrei-me à parede ligeiramente pálido e engoli em seco.
-Nunca aparecer atrás de uma pessoa como eu - murmurei olhando de novo para Kyle - não, não preciso de nada - fiz uma ligeira careta - é o meu filho - quase que aposto que estava com um sorriso de orelha a orelha - é giro não é? - tentei rir.

Dei um pequeno salto quando o senhor também se assustou e arregalei ligeiramente os olhos, precipitando-me para o agarrar, mas não foi preciso.
- Desculpe, eu não queria assustá-lo.- murmurei e se os meus olhos já estavam arregalados arregalaram-se ainda mais com o que ele disse depois. Não, não podia ser. Era impossível. Engoli em seco e fechei os olhos durante uns segundos, abanando a cabeça. Eu devia estar a alucinar.
- O senhor é o pai do Kyle? - segurei-me à parede, respirando fundo.- não pode ser, você morreu! - guinchei.

Arregalei os olhos os olhos quando ela ficou um bocadinho pálida e também arregalou os dela, fui ter com ela e fiz um sorrisizinho ao perceber que ela era a minha nora, acho..
-És namorada dele? És a Abbie, ele estava a delirar e chamou-te- olhei para a sua barriga, voltando a tocar-lhar devagarinho.

*Kyle*

Remexi-me quando ouvi um guincho e obriguei-me a acordar. Abri os olhos percebendo agora que tinha sido Abbie.
-Abbie - levantei a cabeça assustado, acabando por ter que me deitar, gemendo de dores - Abbie. - chamei mais alto.

Apesar de ainda achar que estava a sonhar, as coisas começavam a fazer sentido na minha cabeça. Os ete anos longe da família, as marcas, ter falado nos seus filhos e os olhos, aqueles olhos não enganavam ninguém. Olhei-o quando se aproximou de mim e tentei reagir. Comecei por assentir à sua pergunta e endireitei-me.
- Sim, eu sou a namorada dele.- murmurei e dei um pequeno salto quando ouvi Kyle chamar por mim. Engoli em seco e olhei para o..pai dele, sem saber o que fazer.- está tudo bem, eu já vou amor.- falei o suficientemente alto para que me ouvisse e passei as mãos pela cara.- ele já sabe? Vai ter com ele não vai? - eu nem conseguia imaginar a reação de Kyle, era o pai dele.- eles pensavam que você tinha morrido.- murmurei, com a minha cabeça às voltas, estava tão confusa.

*Pai*
Abanei a cabeça quando ela perguntou se já sabia.
-Não, ele esteve comigo lá, mas só reconheceu a minha voz - encolhi os ombros olhando de novo para o quarto. Assenti muito com a cabeça quando ouvi a sua pergunta - claro que vou ter com ele, mas antes quero fazer a barba, assim ele reconhece-me logo - ou então vê-se ao espelho - eu sei, eu não tenho culpa, não conseguia comunicar com ninguém. - suspirei quando ela disse que todos tinham morrido.

*Kyle*

Juntei as sobrancelhas quando a ouvi e não a vi e tentei virar a cabeça para o lado da porta mas isso só provocou mais dor que me fez queixar baixinho, fazendo também o meu coração falhar uma batida.
-Abbie - chamei mordendo o lábio com força.

Ouvi tudo o que ele me disse, enquanto tentava processar tanta informação e passei as mãos pela cara com um suspiro. Isto era demasiada emoção para um dia só, isto eram demasiadas coisas para eu conseguir aguentar. Mas pelo menos isto era uma coisa boa, pelo menos Kyle ia ter o seu pai de volta, que tanta falta lhe fazia. Eu própria tinha visto como ele ficava sempre que se lembrava dele. E esta missão...era só mais uma prova de como ele o amava.
Assenti com um suspiro quando me disse que não tinha como comunicar e endireitei-me com cuidado. Agora percebia porque é que Kyle não tinha ligado.
- Vá fazer isso.- murmurei.- ele precisa tanto de si.- mordi o lábio e olhei para a porta do quarto quando ouvi Kyle chamar.- eu tenho de ir ter com ele, não demore muito, por favor.- pedi mais uma vez e entrei no quarto, indo logo ter com ele.- tem calma, já estou aqui.

Pai*

Assenti-lhe olhando mais uma vez para a porta, vendo-o meio agitado. Fui devagar até ao meu quarto, sentia o meu corpo todo podre e estava fraco, os médicos diziam que precisava de comer muito e beber muita água, mas que podia andar pelo hospital à minha vontade. Olhei para uma tesoura e fiz uma careta ia ter que dar.

Kyle*

Fiquei mais descansado quando ela chegou e estiquei a mão que não tinha agulhas espetadas para ela, puxando-a para que se sentasse na cama. Queixei-me baixinho quando mexi e fechei os olhos.
-Fica aqui - pedi com um suspiro - não quero estar sozinho.

Agarrei na sua mão e sentei-me com cuidado na pontinha da cama, virando-me para ele, para lhe voltar a fazer festinhas no cabelo.
- Não te mexas amor.- pedi quando ouvi as suas queixas e tapei-o melhor, baixando-me para lhe dar um beijinho.- não estás sozinho, eu estou aqui.- sorri levemente. E o teu pai também. Oh meu deus, cada vez que pensava nisso, o meu coração quase que me saltava do peito, como será que ele irá reagir?

Assenti agarrando-lhe na mão, como sempre fazia e com a outra dei-lhe uma festinha, sorrindo ao senti-la, era bom quando ela me correspondia aos toques.
-Ela deve querer estar quase a sair - murmurei mordendo o lábio com um sorriso a escapar-me dos lábios.

*Pai*

Olhei para mim ao espelho e sorri, estava mais eu novamente. Um bocadinho mais magro, mas ainda era eu. Só quando tinha visto Kyle cair no chão, completamente ensaguentado e indefeso é que tinha percebido o quão parecido ele era comigo. Respirei fundo passando as mãos pelo meu pijama de hospital e comecei a caminhar devagar, novamente, até ao quarto dele, ficando mais uma vez à porta.

Olhei por breves segundos para a porta e mordisquei o meu lábio de forma nervosa, não via a hora do pai de Kyle chegar. Voltei a virar-me para Kyle e levei a sua mão à minha boca, dando-lhe um beijinho e sorrindo ao sentir a nossa bebé. Passou o tempo todo sem se mexer e bastou Kyle tocar-lhe para não parar quieta. Fiquei a olhar para o seu sorriso e dei por mim a sorrir também, tinha sentido tanta falta disto.
- Pois é.- mordi o lábio com força, sentindo um nervoso miudinho, ficava sempre assim quando pensava que ela estava quase a nascer.- estou ansiosa.- mordi o lábio.- ela vai ser tão linda, vai ter os teus olhos.- sorri muito com um suspirinho babado.

Respirei fundo fechando os olhos, não sabia como é que ele me ia receber e isso assustava-me ligeiramente. Ele tinha sorrido quando tinha reconhecido a minha voz, mas ele estava mal, devia estar a pensar que estava no céu ou coisa parecida. Eu tinha tido alucinações, tinha ouvido a voz dela, mas claro que não era real.
-Posso entrar?

*Ky*
Ela não parava quieta, e não era a Rosie, era mesmo Abbie, ainda respirei fundo para ganhar ar e falar, mas não o fiz porque ela disse que estava ansiosa.
-Vai correr tudo bem - murmurei revirando os olhos com um meio sorriso - era mais gira se fosse como tu. - dei-lhe uma festinha. Voltei a fechar os olhos, com a bochecha encostada ao corpo de Abbie, os médicos davam-me porcarias para dormir, estavam sempre a dizer que precisava de comer, beber água e dormir. Abri os olhos quando ouvi novamente aquela voz, antes tinha pensado que estava mesmo a alucinar ou a achar a confundir a voz, mas não, era mesmo a dele. Tentei levantar a cabeça, mas não consegui.
-Hã? - perguntei ouvindo os apitos malucos do meu coração.

Toquei-lhe com um dedo nos lábios e baixei-me para lhe dar um beijinho no mesmo, revirando-lhe os olhos.
- Não era nada.- resmunguei baixinho.- ela vai ser linda por ser como tu.- murmurei e endireitei-me quando ouvi a voz do pai dele. Oh meu deus, era agora. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força e dei um pequeno salto quando a máquina começou a apitar. Olhei para ela, de olhos arregalados e passei as mãos pelo peito de Kyle.- amor, tem calma..- pedi baixinho. Eu sabia que era praticamente impossível, mas ele não se podia enervar agora. Olhei por cima do ombro para o pai dele e assenti devagarinho com a cabeça. Até o meu coração batia desenfreadamente. Não conseguia decifrar qual seria a sua reacção, mesmo.

Por momentos pensava que ia desmaiar, mas não, era só uma impressão por causa do barulho e do meu coração. - O quê? - perguntei a Abbie quando pediu para eu ter calma.
-Não estavas a alucinar - disse um homem que começou a aparecer na minha visão, tinha a barba por fazer e um bocado mais cortada, mas agora eu reconhecia-o, era o homem que me tinha ajudado a viver durante os dias em que fui torturado e mandando para não sei bem para onde. - Eu estou aqui - murmurou e aí sim eu percebia era mesmo ele era o...
-Pai

Respirei também fundo, para me manter calma e continuei a passar a mão pelo peito de Kyle, sentindo o seu coração bater desenfreadamente debaixo da mesma.
- Tem calma..- repeti baixinho, já com as lágrimas nos olhos. Ultimamente, bastava abrir os olhos para chorar. Nunca tinha estado tão sensível. Desviei o olhar para o pai dele quando começou a falar para ele e mordi o lábio com força. Levantei-me devagarinho e dei espaço para o seu pai se aproximar, caso quisesse, ficando na mesma perto da cama, mas encostada à parede. Era o momento deles agora.

Sim, era mesmo ele, aquela cara igualzinha à minha não enganava ninguém, sempre tinha sido parecido a ele, mas nunca tanto como agora. Estremeci ligeiramente quando senti a mão dele no meu cabelo e deixei-me estar a olha-lo com os olhos a arderem.
-Eu sabia - murmurei e tentei mexer-me, mas não consegui, os meus ossos, o meu corpo, doía-me tudo, até as unhas. - Eu sabia - fechei os olhos quando o senti mais perto e estiquei um braço para o abraçar. - Eu sabia que eras tu - murmurei tentando abraça-lo o melhor que conseguia, sentindo as lágrimas escorrerem como se eu fosse um bebé.

Tinham passado seis anos. Tinham sido seis anos sem se verem, tinham sido seis anos longe um do outro, eu nem conseguia imaginar. Quer dizer, conseguia, o meu pai também tinha morrido, e apesar de eu ser nova na altura, também sentia falta dele. Mas era diferente, eu tinha a certeza de que ele estava morto, Kyle nunca tinha visto o corpo do pai e...o meu pai não tinha morrida a honrar o país, o meu pai não tinha morrido na guerra. Era doloroso, mas mesmo assim, não conseguia imaginar tudo pelo que Kyle tinha passado. Passei as mãos pelas bochechas e funguei baixinho, ficando a olhá-los. A máquina apitava cada vez mais à medida que o pai dele se aproximava. Sorri quando lhe tocou no cabelo e passei as mãos pela minha barriga, sentindo Rose mexer-se. Era por isso que ela se tinha mexido tanto quando o pai dele lhe tocara, acho que até ela sabia. Encostei a cabeça à parede e quando os dois se abraçaram, os meus olhos voltaram a encher-se de lágrimas, não conseguia controlar. Eu própria tinha visto como Kyle ficava sempre que pensava no pai, ele amava-o, mesmo muito. Abracei-me à barriga e nem me importei com as lágrimas que escorriam, estava tudo a compor-se.

Passei as mãos pela minha bochecha quando senti soluçar, isto doía nas minhas feridas e no meu corpo, mas não me importava agora. Eu estava certo, não tinha sido uma ilusão, entreabri os lábios começando a perceber tudo o que tinha acontecido nestes últimos seis anos. Ele tinha a mesma marca que eu e tudo, deviam continuar a tortura-lo quando lhes apeteciam. Quando olhei para ele, vi que estava tal e qual como eu.
-Parabéns atrasados - ri-me de uma forma estranha fazendo uma careta, agarrando-me à barriga. Ele riu-se enquanto me dava festinhas no cabelo, eu sempre tinha sido tão mimado, mais por ele do que pela minha mãe.
-Obrigado - disse com um sorriso começando a endireitar-se. Na verdade, não parecia ele, estava magro e franzino, o meu pai costumava ser corpulento e com músculos. Olhei para Abbie e sorri esticando um braço para ela.
-Quando é que eu posso sair daqui? - perguntei, queria ir para casa, agora tinha-o a ele, à minha mãe, ao meu irmão e as minhas duas miúdas, só queria ir para casa em paz e sossego.
-Eles não te vão deixar sair tão cedo - avisou logo o meu pai e eu arrepiei-me, ainda não estava mentalizado que ele estava ali.

Passei as mãos pela cara várias vezes e respirei fundo, piscando os olhos para parar de chorar, não queria parecer uma chorona. Não valia a pena, eu era uma chorona. Sorri levemente a Kyle quando o vi a olhar para mim e agarrei na sua mão, voltando a aproximar-me um bocadinho. Passei a mão livre pela barriga e acabei por ter de me sentar na cadeira que havia perto da cama. Entrelacei os meus dedos nos seus e dei-lhe um beijinho na mão, olhando depois para o pai dele.
- O teu pai tem razão.- funguei.- tens de ficar bom primeiro.

-Mas eu posso ficar bom em casa, podia ficar lá deitado, não era a primeira vez - detestava hospitais, tinha sido lá que o meu irmão quase tinha morrido, tinha sido lá que Abbie quase tinha morrido, até a minha mãe, quando eu era mais pequeno tinha quase morrido lá. Sentia que também podia morrer a qualquer momento ali. Só gostava da ala da pediatria e da maternidade, tinha nascido lá eu, o Fred e em breve Rosie.
-Desde quando é que és tão casmurro? - resmungou o meu pai.
-Desde que saí a ti. - ele riu-se puxando uma cadeira e sentando-se com uma expressão mais pálida. Lembrava-me agora do que Wild tinha dito, ele estava tal e qual como eu, desidratado e desnutrivo. - Vai descansar, precisas de estar bom para a mãe. - sorri-lhe apesar de não querer que ele fosse.